Sendo o dia 3 de julho o dia de São Tomé, estamos publicando para nossos leitores este artigo que trata da "experiência científica de Tomé e a mística de Tomás:
Aquele que disse aos seus companheiros aninhados no Cenáculo por causa de um medo atroz, que só haveria de crer em Jesus ressuscitado se visse "nas suas mãos o sinal dos pregos", pusesse o "dedo no lugar dos pregos" e introduzisse a "mão no seu lado" (Jo 20,25) não precisa de apresentação.
Tomé passou para a História como símbolo da incredulidade, é verdade, mas também como o exponencial de uma lei inerente à natureza humana per se legítima. Ver com "os próprios olhos, tocar com "as próprias mãos", ouvir com "os próprios ouvidos" é uma necessidade do ser humano, uma condição para darmos o assentimento perfeito da nossa inteligência e da nossa vontade.
Embora seja eminentemente sobrenatural, o próprio assentimento da fé tem um dos seus pilares fundamentado nesse ditame da experiência sensível. Não foi essa necessidade demonstrada por São Tomé, após a terrível hecatombe da perseguição que havia caído sobre a Igreja nascente, arrebatando a suave presença do Divino Mestre? Também para Santa Maria Madalena, aquela que muito havia amado, era necessário tocar e abraçar os pés do Ressuscitado, para saciar esse desejo legítimo e subconsciente do coração humano de comprovar a fé com os sentidos. Tal aspiração é tão ingente em nosso interior a ponto do Apóstolo São João jubiloso exclamar: "o que temos ouvido, o que temos visto com os nossos olhos, o que temos contemplado, e as nossas mãos têm apalpado, no tocante ao Verbo da vida, porque a vida se manifestou, e nós a temos visto; damos testemunho e vos anunciamos a vida eterna, que estava no Pai e que se nos manifestou" (1Jo 1,1-4).
Esse desejo de experiência não é contrariado por Nosso Senhor, pois ao encontrar-se com os seus discípulos convidou São Tomé a comprovar: "Introduz aqui o teu dedo, e vê as minhas mãos. Põe a tua mão no meu lado. Não sejas incrédulo, mas homem de fé" (Jo, 20,27). Dos lábios do incrédulo brotou, como a rosa no deserto, o mais explícito ato de fé na divindade de Jesus presente nos Evangelhos: "Meu Senhor e meu Deus!" (Jo 20,28). Com os olhos e os dedos de Tomé, nós tocamos nas chagas e no lado aberto de Jesus. Em Tomé toda a Igreja creu na ressurreição corpórea e milagrosa do Homem-Deus.
Ora, houve outro Tomé, nascido na cidade italiana de Aquino, cujo nome não pode ser pronunciado por teólogo ou filósofo que se preze senão com respeito e veneração: São Tomás de Aquino. Ele foi uma autêntica testemunha dos atributos e perfeições divinas, da divindade e da humanidade de Cristo, do inefável mistério da Santíssima Eucaristia e dos castos privilégios de Maria Santíssima. Tomás nasceu mais de um milênio após a tragédia do Gólgota, e de fato não teve a graça de tocar com o seu dedo no lado e nas chagas do Redentor como outrora havia feito Tomé.
Entretanto, o Doutor Angélico viu com os olhos da fé e apalpou com as mãos da caridade a divindade e a humanidade de Jesus. A experiência mística de Tomás é superior à experiência científica de Tomé, como aliás afirmou o próprio Divino Mestre: "Creste, porque me viste. Felizes aqueles que crêem sem ter visto!" (Jo, 20,29). A visão da experiência mística, essencialmente sobrenatural de São Tomás não é imensamente mais abarcativa e sublime do que a experiência material e racional? Afinal, o objeto do olhar teológico não é o Bom Deus, puro espírito e totalmente imaterial? E o mundo sobrenatural não é essencialmente invisível aos nossos olhos carnais? É por isso que a experiência mística dos santos é mais eloquente que a pretensiosa experiência humana dos entendidos...
É justamente por causa da santidade do insigne Doutor Angélico, que a sua obra filosófica e teológica - além de ser eminentemente racional e precursora dos métodos científicos modernos - é superior. Ele viu com os olhos do Espírito Santo, com as castas doçuras interiores dos toques místicos,[1] com a retidão do primeiro olhar de uma alma santa, reta e inocente.
É por isso que a Igreja atribuiu especial valor à obra do Aquinate: ele foi mais feliz em crer sem ver e tocar como Tomé, porque viu, distinguiu, creu através do olhar sobrenatural do qual ele tirou a inspiração de seu ensino, ou seja, da visão de uma imagem eterna quase beatífica, da qual gozaremos por toda a eternidade. É dessa forma que se pode dizer que São Tomás foi mais feliz que São Tomé, pois ele creu N'Aquele que real, genuína e misticamente havia "visto".
Por Marcos Eduardo Melo dos Santos
Nenhum comentário:
Postar um comentário